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Gastão Pambani
Gastão Pambani

Patrício de Angola, chegou certa vez àquela Residencial manhosa para passar a noite e poder ir, no dia seguinte, pedir contas devidas ao ex-patrão da construção civil, sem todavia trazer documentos válidos nem dinheiro – tão-só um velho e amarrotado papel em forma de fotocópia, que alegava servir de transitório documento de identificação.
Era primavera, ano de 2002.
Eu trabalhava ali por alguns meses, dois anos após me terem destruído a carreira docente – acabando por me despedir mais tarde, cansado de ser destratado por aquela gente ignorante e muito típica da zona, que familiarmente geria, de forma rudimentar e modesta, tal negócio de hotelaria (onde à tarde, ou pela madrugada, soltos casais iam cumprir umas horas de sexo avulso).
Além do mais, eu respondera a um anúncio para rececionista noturno e porém acabando a servir uísques aos clientes e vigiando os corredores e as caves, fechando portas e portões e aquecendo o leite do pequeno almoço… . E a receber por um o trabalho de vários.
Prometi pagar-lhe a estada, se ele fosse à Polícia e trouxesse agentes, por forma a provar o que dizia, pois o espaço não era meu e nada podia decidir.
Bem vestido e de boa figura, embora de trato simples, «Gastão lá foi à vida dele», pensei eu.
Boa hora e meia depois, Pambani reaparece, acompanhado da Polícia.
Explica-se; implica-se. E a Polícia acaba por lhe dar razão (dizendo ao proprietário: «não podem negar pernoita»!).
O estalajadeiro, desarmado, tenta o derradeiro argumento: «ó senhor agente: este senhor quer ficar aqui esta noite, mas acontece que ele não tem dinheiro para pagar a conta»!
Ao que Gastão respondeu, de pronto e nervoso (como se o chão lhe estivesse a fugir sob os pés): «não! Eu tenho um amigo que me paga».
«E quem é esse amigo, pode saber-se»? Retorquiu o trigueiro proprietário, num tom de pele ainda mais encarniçado, pelo vinho e pelo rancor gratuito, talvez racista.
Atrapalhado e sem saber da dignidade da minha palavra, Gastão hesitou e acabou por não concretizar.
Ao que então atalhei, entrando finalmente naquela pequena assembleia: «o amigo ao qual ele se refere sou eu, pois prometi pagar-lhe a estada e só tenho uma palavra»!
Furioso, o imbecil proprietário dirigiu-me então o seu verbo tosco, num tom alterado e dizendo autoritária e possessivamente: «o senhor aqui é apenas empregado; portanto, só lhe paga a noite, se eu permitir».
Eu respondi-lhe que «não», pois «só tenho uma palavra».
Sem poder recusar, aquela pipa ambulante teve mesmo de obedecer à Lei (vigente), ali representada por um piquete policial.
E eu, apesar de pouco abonado, paguei, com sincera generosidade, aquela estada ao Gastão. Para que, dia seguinte, ele pudesse cumprir a sua missão, fosse qual fosse a empresa, fresco e mais confortado.
Afinal era «meu patrício», como lhe escrevi no bilhete que lhe deixei por baixo da porta, antes de voltar para casa pelas cinco da madrugada. Lembrando-lhe que «não precisava restituir-me aquela importância», até porque «dificilmente voltar-nos-íamos a ver».
E desci as escadas, não sem antes lhe desejar, nesse bilhete, «boa sorte neste paízinho…».
Eu ficara absolutamente rendido à determinação de Pambani.
Afinal o homem, naquela noite, justificou o aconchego de uma cama mais do que toda a gente que ali estivera presente!
E voltei para casa pedindo às minhas estrelas-guias que o acompanhassem sempre vida fora.
Espero não ter sido atraiçoado!

17 de abril de 2009

[In: A Alma da Existência, Atrevimentos Poéticos]