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O Equívoco
O Equívoco

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                                                                 V

                                                   Conclusão




    António Damásio até teve razão, ao escrever que «primeiro existimos e só depois pensamos», sendo «na medida em que existimos que nós pensamos».
    Pois o conceito de existência é o primeiro de entre todos! Tem mesmo de sê-lo. Até a essência de uma realidade qualquer existe primeiro, a fim de que seja efetivamente uma essência.
    Só que, na sua suma ignorância filosófica, Damásio supôs a existência como sendo a coisa física, posto a existência a que ele se estava referindo ser, no caso-problema do pensamento e da ocorrência deste, a existência do cérebro e da sua fisiologia neuronal, condições sine qua non para o surgimento da consciência segundo a aceção científica dos conceitos e dos factos, uma vez que Damásio reverbera a atitude empirista acrítica que é própria da ciência vigente, assim fazendo tábua rasa da sensorialidade prévia e da existência física (material) anterior como suporte (estrutura) existencial.
    De facto António Damásio, tal como essa mesma ciência, ignoram que a Existência se trata de um domínio muito mais vasto do que supõem. E que tanto o cérebro quanto a consciência igualmente existem. Pelo que, no cômputo da existência em geral, não se poderá falar da anterioridade e da posteridade de uma e de outra tipologias de existência.
    E este é que é o drama maior do Sentido Comum e da ciência institucional: estarem agarrados aos dados dos Sentidos e seus dependentes e julgarem que esses Sentidos lhes tragam a realidade tal como de facto ela fosse – mas sobretudo como se fosse a única realidade existente (e a única possível, até).
    Ora: a consciência não se vê (nem ouve ou apalpa) – e no entanto é real. Tanto, que, sem ela, o cérebro jamais saberia que se trataria de uma realidade… cerebral, precisamente.
    Então o erro de Damásio, que escreveu, com pretensão, um livro titulado «O Erro de Descartes», no qual redigiu a passagem que citámos acima, consiste em restringir a existência ao domínio não propriamente físico, não exatamente objetivo, como ele crê, mas sim à estrita abrangência sensorial, convencido de que os seus Sentidos tragam, para dentro de si, o objeto do mundo, caindo no equívoco materialista de admitir que o momento presente e a ilusão sensorial fielmente reproduzam a verdade da Existência, quando afinal esses momento e ilusão se encontram em perpétua passagem e já não serão mais os mesmos na sensação do instante seguinte! Exatamente como procede o Sentido Comum (que é partilhado por todos os ingénuos e ignorantes, ainda que sendo «cientistas» ou «filósofos», ou talvez «teólogos», também, mas todos cegamente crentes de que os seus olhos vejam mesmo aquilo que de facto seja – e do modo como se apresente).
    O defeito do empirismo e o de todas as outras formas de materialismo passa pelo ficarem-se ao nível do olhar e da pele e assim confundirem efeitos e causas, reduzindo qualquer possibilidade de conhecimento ao encadeamento causal segundo o espaço e o tempo. E se porventura cressem numa divindade, tê-la-iam de encontrar incomensuravelmente material, nos confins do universo.

 

[in «O Equívoco»...]


                           – Edmundo Vallellano, setembro de 2013 –